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Mercado de trabalho abre as portas para a maturidade
Até mesmo o setor industrial conta hoje com consultores e gestores com idade mais avançada.
Setores despertam para o potencial dos trabalhadores mais experientesAo contrário de décadas passadas, quando a idade era um empecilho para conseguir uma colocação no mercado de trabalho, profissionais com mais de 40 anos têm conseguido colocação com mais frequência, principalmente no comércio - setor em que a iniciativa foi precursora - e em cargos técnicos. Além disso, nos últimos anos, alguns setores, como o da construção civil, estão sentindo falta de profissionais com experiência e têm contratado funcionários seniores, inclusive muitos que já estavam aposentados.
Tornou-se comum ver esses profissionais também em supermercados, lojas, restaurantes, pedágios e no setor imobiliário. Outras áreas, como prestadores de serviços, consultorias, financeiras, Tecnologia da Informação (TI) e recursos humanos despertaram para o potencial dos grisalhos. Até mesmo o setor industrial conta hoje com consultores e gestores com idade mais avançada. Entre os motivos para essa reviravolta, os mais comuns são ausência de mão de obra qualificada e falta de comprometimento dos mais jovens, explica Fernando Montero da Costa, diretor de operações da consultoria Human Brasil, empresa especializada na seleção e recrutamento de talentos, formação, desenvolvimento e consultoria estratégica de pessoas nas organizações.
Segundo Costa, esse processo vem acontecendo no Brasil desde 2007. “Anteriormente, quem ingressava em uma universidade optava por carreiras vinculadas à comunicação social e informática, principalmente. Foi um período em que a profissão de engenheiro foi esquecida”, recorda. O consultor admite que, atualmente, vem ocorrendo uma retomada do interesse dos jovens por cargos técnicos, porém lenta e gradual. “Em função do desenvolvimento econômico, do crescimento da indústria automotiva, das concessões de rodovias e investimentos em obras de infraestrutura, iniciou-se, paralelamente, uma alta demanda de técnicos, que não tem sido eficientemente suprida pelos trabalhadores jovens”, destaca o consultor, afirmando que são os profissionais de 50 anos em diante quem estão preenchendo essas vagas.
São pessoas mais maduras, com potencial para assumir cargos melhores, que, ao mesmo tempo em que estão sendo redimensionadas no mercado, passaram a gerar renda e qualidade de vida para si próprias, iniciando um processo de revitalização econômica da chamada terceira idade - que antes sobrevivia, em sua maioria, do dinheiro da aposentadoria ou com o auxílio de familiares. “A vantagem de contratar estes profissionais é que são mais estáveis, não têm vínculos com filhos pequenos, são mais comprometidos, engajados, centrados e assíduos”, destaca a consultor.
Costa defende, ainda, outras competências de recursos humanos que os mais velhos em geral possuem, enquanto o pessoal mais novo ainda não desenvolveu: são mais meticulosos, disciplinados, simpáticos, comunicativos, pacientes, têm aspectos de liderança e planejamento desenvolvidos e são menos impulsivos. “É possível que o País consiga contornar este ‘apagão’ de qualificação de mão de obra que tem ocorrido entre os jovens nos próximos oito anos. Sendo assim, as perspectivas para os profissionais seniores no mercado de trabalho são as melhores possíves”, estima o diretor da Human Brasil.
Mas, e depois desse período, será que existe a possibilidade de, novamente, o mercado virar as costas para os mais velhos? Na opinião de Fernando Montero, o mais provável é que haja um casamento de competências entre essas duas gerações. “O ideal será unir a agilidade, criatividade e domínio tecnológico dos jovens com toda a experiência dos maduros”, sugere. “A tendência é o Brasil valorizar cada vez mais os seniores. Eles devem conquistar seu lugar ao sol e, a partir daí, tornarem-se mais uma possibilidade de contratação”, completa.
Competência grisalha serve de modelo aos mais jovens
Não há dúvida de que, entre os profissionais com mais de 40 ou 50 anos interessados em se manter no mercado, aqueles com melhor formação são os mais cobiçados, chegando a conseguir um patamar salarial até então nunca alcançado. “Com a experiência que possuem, podem atuar como consultores autônomos. Alguns têm o passe caro”, garante o consultor de RH Fernando Montero da Costa.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a empregabilidade de seniores no Brasil hoje é de 2,2%, enquanto o desejado pela Organização Internacional do Trabalho é de 3%. Ainda de acordo com o IBGE, o País possui atualmente 17,9 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, representando uma proporção de 10% da população brasileira. Estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que a população estimada do Brasil para o ano de 2025 será de 220 milhões de habitantes, com uma população idosa de 30 milhões de pessoas, devido à transição demográfica, colocando o Brasil na sexta posição de país mais velho do mundo.
As projeções do IBGE confirmam as estimativas da ONU: segundo o instituto, o País irá ultrapassar os 64 milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2050. Esse crescimento é resultado de uma série de fatores, entre eles o aumento da expectativa de vida e a queda na taxa de fecundidade. Sendo assim, daqui há 40 anos o número de pessoas acima dos 55 anos ou mais corresponderá a 37% da população brasileira - hoje esta parcela é de 14%. E, se o Brasil está envelhecendo, a tendência é de que os idosos participarão cada vez mais da economia do País.
Essa população que hoje vive mais e melhor tem aproveitado o espaço que se abre no mercado, procurando encontrar estímulos na preparação de uma segunda vida profissional, sob novos parâmetros, desafios e objetivos. Entre os idosos que querem trabalhar, além da possibilidade de prestar consultorias nas empresas e exercer cargos de chefia, também há uma alternativa que vem sendo incentivada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), juntamente com entidades como o Sebrae, que possui programas de incentivo ao empreendedorismo, com boa adesão de pessoas da terceira idade.
De acordo com Juarez Correia Barros Júnior, coordenador técnico do projeto Empreendedorismo, Trabalho e Qualidade de Vida na Terceira Idade, uma pesquisa realizada em julho deste ano, em cinco capitais brasileiras - incluindo Porto Alegre -, com 1.500 pessoas entre 60 e 70 anos que estavam aposentadas ou não, apurou que, apesar de a maioria delas acreditar que já trabalhou o suficiente, muitas querem continuar na ativa. “A maior parte dos idosos entrevistados alega que precisa ficar no mercado em função da renda, para poder manter o padrão de vida. Mas há uma minoria que quer continuar trabalhando porque se sente mais útil, quer se manter atualizada e sociabilizada”, destaca Barros.
Ele confirma que as áreas mais procuradas pelos seniores são justamente as que mais empregam mão de obra nesta faixa etária: “em geral é nos setores de comércio, prestação de serviços e consultoria”. Informações do MTE mostram que os trabalhadores com idade entre 50 e 64 anos têm conseguido boas oportunidades no mercado. Em 2008, foram abertos 376 mil postos de trabalho para essas pessoas, o que representa um crescimento de 8,17% em relação ao ano anterior. Foi a segunda maior taxa de registro de empregos da série, só perdendo para os profissionais na faixa de 30 a 39 anos de idade.
Outro fator que chama a atenção é que, nos últimos anos, vem aumentando significativamente o número de negócios criados e administrados por pessoas com mais de 55 anos de idade, que se aposentaram ou estão prestes a se aposentar. Ao mesmo tempo, é cada vez mais expressivo o contingente de empresas que facilitam as situações para funcionários mais velhos, promovendo cursos, treinamentos, e oferecendo uma gama de novos conhecimentos para ajudá-los a estabelecer seu próprio negócio ou aprimorar-se para funções de consultoria.
Consolidação da carreira em alta
Devido à dificuldade de se encontrar profissionais qualificados, cada vez mais empregadores têm recorrido à busca de trabalhadores com mais de 40 anos pela experiência e vivência. A maioria dessas oportunidades está nas empresas de pequeno e médio porte, que preferem pessoas que já estejam prontas e treinadas, mas não são poucas as grandes companhias que estão de olho nesses profissionais. É o caso da clínica em que trabalha a massoterapeuta Dina Maria Oliveira da Silva, que irá completar 60 anos em fevereiro do ano que vem.
Ela entrou para a equipe da clínica, localizada em bairro nobre da Capital, há quase um ano. “A médica responsável pela minha contratação disse que não tinha preconceito quanto à idade”, destaca a profissional. Antes de conquistar este emprego, ela precisou qualificar-se, após alguns anos fora do mercado. “Inicialmente, eu trabalhava no comércio, em butiques”, recorda. Quando Dina ficou grávida, aos 32 anos, decidiu parar de trabalhar, para se dedicar à filha. “Ela cresceu, e então senti necessidade de voltar à ativa.”
Em 1998, Dina decidiu dar o primeiro passo: arregaçou as mangas e fez um curso de massoterapia. “No início, senti um pouco de dificuldade, pois era muito fora da área que eu estava acostumada. Mas depois engrenei: comecei a trabalhar com drenagem linfática, fiz uma série de outros cursos para me aperfeiçoar, passei por inúmeras estéticas e clínicas”, resume.
Sem enumerar nenhum tipo de problemas no ambiente de trabalho, Dina se diz muito gratificada pela confiança depositada pelos empregadores. “Tudo é uma questão de ter responsabilidade, experiência, se dedicar ao trabalho e estar preparado”, ensina a massoterapeuta.
Um trampolim chamado comprometimento
Quando Lourdes Noal completou 54 anos, foi contratada como terceirizada para fazer parte da equipe de auditoria do shopping Praia de Belas. Há muitos anos, ela não sabia o que era carteira assinada. Tinha passado boa parte da vida trabalhando por conta no ramo de alimentação, em negócio que mantinha com o irmão. “Há quatro anos, quando desfizemos a sociedade, fiquei desempregada”, recorda.
Apesar disso, ela conseguiu e se destacou. Um ano depois foi convidada pela administração do empreendimento para trabalhar como auxiliar de fraldário, sendo efetivada pelo Praia de Belas. “Fiquei honrada. Atuei ali por um ano e nove meses”, conta Lourdes, que, entre outras atribuições, tinha o papel de higienizar o local dos bebês. Não demorou para receber novo convite.
“Temos uma política de valorizar o quadro interno, e sempre que surgem oportunidades, encaixamos o profissional que acreditamos se enquadrar na vaga disponível”, relata Janine Oliveira, gerente de marketing do Praia de Belas. Ela conta que, com o passar do tempo, a então auxiliar de fraldário mostrou-se séria e comprometida. Não deu outra: hoje, aos 58 anos, ela é uma das recepcionistas do setor de informações - o principal guichê do Praia de Belas. O shopping também emprega outras pessoas nesta faixa etária, que atendem nos caixas de estacionamento de clientes.
Estar no balcão de informações, considerado o cartão de visitas do shopping, não é fácil, segundo a gerente de marketing. “É o primeiro contato do cliente com a empresa, por ali passam cerca de 50 mil pessoas por dia, desde a mais estressada até a mais gentil”, destaca Janine, ressaltando que é preciso ter estabilidade emocional para atender aos diferentes perfis de consumidores. “A Lourdes está servindo de porto seguro das meninas deste guichê. Ela passa segurança, responsabilidade, é ótima no relacionar-se, muito tranquila, sabe lidar com todas as variáveis do ser humano”, elogia. Janine garante que a recepcionista sênior vem realizando um excelente trabalho, com discernimento, desprendimento e agilidade. “Esta é uma das vantagens que um profissional carrega ao ficar mais velho: ter experiência.”
Dizendo-se muito feliz com a oportunidade, Lourdes admite que nunca havia imaginado sair do fraldário e ir para outro setor do empreendimento. “Eu pensava: vou ficar aqui enquanto eu puder. Eu nem cogitava a possibilidade de exercer uma nova função.” Ela comemora os dois anos de atuação no novo cargo e se diz “supervalorizada”. “Na minha idade, ser convidada para trabalhar na recepção, onde tem meninas de 25 anos, demonstra que meu trabalho é valorizado, sem preconceitos”, avalia. E, para completar, dá a dica: “Idade não impede ninguém de exercer função nenhuma, basta estar aberto para novos conhecimentos e aceitar que outra pessoa mais jovem delegue o trabalho.”