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Decisão afasta ICMS na transferência de mercadorias e põe varejo em alerta
Falta de regulamentação sobre as transferências de créditos preocupa empresas, que deverão repensar seus modelos de negócios
A partir de 2024, os Estados não poderão mais cobrar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Esse é o resultado da recente modulação dos efeitos de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), proferida em abril de 2021 por meio da ADC 49, que vale também para as operações interestaduais, afetando inclusive as empresas de varejo que possuem filiais em outros Estados.
Os possíveis desdobramentos da decisão colocaram o setor em sinal de alerta. De acordo com especialistas, as empresas devem repensar seu modelo de negócios e avaliar as vantagens, do ponto de vista tributário, de realizar ou não operações de transferências entre filiais localizadas em Estados diferentes, sob o risco de não conseguirem dar vazão aos créditos acumulados de ICMS no Estado de origem.
Os ministros também decidiram que os Estados deverão disciplinar a transferência de créditos entre empresas de mesmo titular até o final de 2023, no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) ou Congresso Nacional. Se não houver regulamentação sobre o assunto até essa data, os contribuintes poderão realizar livremente a transferência desses créditos.
IMPACTOS
Os impactos financeiros da decisão podem ser maiores nas operações interestaduais. Quando, por exemplo, uma empresa em São Paulo comprar uma mercadoria e a remeter para Santa Catarina, sem o imposto, será gerado um crédito. No estabelecimento em Santa Catarina, por sua vez, a venda do produto gerará um débito. Apesar de ser o mesmo contribuinte, não há previsão legal que permita a compensação do crédito de ICMS gerado em São Paulo com o débito do imposto gerado em Santa Catarina.
“Os reflexos da decisão nas operações internas são menores porque é possível compensar o crédito gerado no estabelecimento remetente com o débito gerado no destinatário em razão da possibilidade de realização de apuração centralizada do ICMS”, explica Douglas Campanini, sócio da Athros Auditoria e Consultoria.
De acordo com ele, se as empresas não tiverem uma visão clara de como o assunto será tratado no Congresso Nacional, correm o risco de acumular impostos em um Estado, a recuperar, e valores a pagar em outro Estado.
Há preocupação também sobre a legitimidade do Confaz para regulamentar a questão da transferência dos créditos de ICMS. “Como o tema é muito recente, há dúvidas se apenas uma legislação a ser editada pelo Confaz será suficiente para definir as regras ou se há a necessidade de alterar a Lei Kandir. Nos próximos meses, essa será a grande discussão”, prevê.
Para o tributarista Regis Trigo, do Hondatar, o STF deu um recado aos Estados, de que precisam se adaptar à decisão que tornou inconstitucional a cobrança do imposto nas transferências de mercadorias entre empresas de um mesmo contribuinte e determinar as regras de como será a transferência dos créditos.
Um outro reflexo da decisão, aponta, será a revisão das estratégias de negócio por parte das empresas, sobretudo do varejo, que possuem filiais em outros Estados e, eventualmente, mantêm unidades apenas para fins de planejamento tributário. “Agora, muitas empresas deverão reavaliar, do ponto de vista fiscal, a vantagem de se manter filiais, que até então podiam gerar volumes consideráveis de créditos do imposto”, explica.
Na opinião do tributarista Marcelo Salomão, do escritório Brasil Salomão, houve certa omissão dos ministros do STF, que poderiam trazer, na decisão, a obrigação para que Estados aceitem a transferência de créditos.
O advogado lembra que, na época do ICM, foram editados protocolos em que Estados já pactuavam a transferência de crédito entre estabelecimentos localizados em seus territórios. Na sua visão, não há, portanto, novidade na nova legislação que deverá regular essa matéria por ordem do STF.
Se a regulamentação sobre o tema não ocorrer de forma rápida, o tributarista prevê prejuízos enormes para as empresas, decorrentes da sobra de créditos acumulados.
“É preciso lembrar que o princípio da não-cumulatividade tem como objetivo fazer com que as mercadorias cheguem ao consumidor final sem o acúmulo de tributação, sem o efeito cascata. Assim, sobrar crédito para os contribuintes é sinal de que esse princípio não está sendo tratado como manda a Constituição Federal”, critica.
PROJETOS
A decisão da Corte parece ter apressado a tramitação de um projeto que altera a Lei Complementar 87, conhecida como Lei Kandir. Entrou na pauta de votação no plenário do Senado o PLS – Complementar 332/2018, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho, que não considera fato gerador do ICMS a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei Complementar 36/2023, que também altera a Lei Kandir. A proposta, porém, segundo Marcelo Salomão, não faz referência aos créditos acumulados decorrentes da remessa interestadual entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
“Seria uma extraordinária oportunidade para o Congresso Nacional incluir nesse projeto a regulamentação da utilização de crédito tratada na ADC 49”, concluiu.