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Como tirar o pó da velha legislação trabalhista

Aumentar o espaço de negociação entre empresas e trabalhadores é a maneira de modernizar a CLT, que data de 1943, de acordo com o especialista Hélio Zylberstajn. Conheça as sugestões de cada parte

O Brasil precisa modernizar a legislação trabalhista, criada na década de 40, durante o governo Getúlio Vargas, com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), composta de quase mil artigos.

Afinal, há algo de errado nas relações de trabalho de um país quando cerca de 3 milhões de reclamações trabalhistas são despejadas por ano na Justiça. O conflito entre empresas e empregados no Brasil não tem comparação com qualquer outro país.

Apesar do governo ter adiado para o segundo semestre de 2017 o envio de uma reforma trabalhista para o Congresso, as sugestões para modernizar a lei voltam a ser expostas por especialistas e representantes de empresas e trabalhadores.

Para eles, o tema é tão complexo, que precisa de atenção e tempo mesmo para ser discutido por todos os envolvidos, antes de o governo finalizar as propostas para as mudanças na lei.

“Modernizar a lei trabalhista significa aumentar o espaço da negociação entre a empresa e o trabalhador, reduzindo a dependência do Estado”, afirma Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fipe.

A principal fonte da regulamentação do mercado de trabalho hoje é a legislação. Para Zylberstajn, o país precisa avançar para um modelo no qual a principal fonte da regulamentação seja a negociação.

Cada setor e, no limite, cada empresa, de acordo com ele, deveria negociar regras e direitos dos trabalhadores para a sua realidade.

“O comércio, por exemplo, é uma atividade sazonal que, mesmo durante o dia, tem variação no movimento. A jornada de trabalho é uma questão crucial para o setor”, afirma o professor.

Por que 44 horas semanais de trabalho, como estabelece a lei, não podem ser divididas ao longo da semana de acordo com a preferência do empregador e do trabalhador?

“Não é preciso rasgar a CLT. Basta incluir um artigo zero que abra a possibilidade de um arranjo entre as partes. Para quem não quer negociar, vale a CLT”, afirma.

A legislação trabalhista brasileira foi concebida com base nas características do setor industrial, como recorda Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Para fazer hora extra, após 8 horas de trabalho por dia, a mulher precisa, como determina a lei, descansar 15 minutos, tempo considerado mínimo, no passado, para o trabalho nas fábricas.

“Isso fazia sentido quando a mulher realizava um serviço pesado. Hoje, uma vendedora, por exemplo, pode preferir ficar direto na loja e sair 15 minutos mais cedo”, diz Solimeo.

“Nos últimos anos, assistimos a inúmeras mudanças no país no que se refere a tecnologia, economia, forma de comercialização, processo e modo de produção. Toda flexibilização para estimular contratos trabalhistas é bem-vinda, pois permite que o mercado se adapte à nova realidade”, afirma Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp).

Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) deixam claro que “havendo trocas compensatórias, empregados e empregadores, com a participação dos sindicatos, podem firmar suas próprias regras para presidir as condições do trabalho”, de acordo José Pastore, professor da Faculdade de Economia da USP, e um dos maiores especialistas em relações do trabalho do país.

“Esse já é o reconhecimento da importância da negociação e da valorização de acordos e convenções coletivas”, afirma ele.

Uma regra da legislação atual que não faz mais sentido, na avaliação de Solimeo e Pastore, é também a que impede a divisão das férias de 30 dias em dois períodos para os trabalhadores com 50 anos ou mais.

Essa regra foi feita, de acordo com Pastore, porque um homem com 50 anos, no passado, era considerado velho e precisava descansar 30 dias seguidos, após o período de um ano de trabalho.

“Mas a demografia mudou, o envelhecimento é acompanhado por uma melhoria da saúde, de modo que os trabalhadores de 50 anos estão mais para jovens do que para velhos. Não há razão para admitir o parcelamento de férias para quem tem 49 anos e proibir para quem tem 50 anos”, diz Pastore.

A retirada desses ‘penduricalhos’ da legislação podem tornar as relações entre empresas e empregados muito mais harmônicas, na avaliação Zylberstajn e Pastore.

Uma reforma trabalhista não significa o fim do desemprego e aumentos de emprego, mas se a economia voltar a crescer, dizem eles, os empresários estarão mais seguros para fazer contratações.

A legislação trabalhista atual tem impedido a expansão de negócios e a entrada de investidores estrangeiros no país, de acordo com Ruy Nazarian, presidente do Sindilojas (Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo).

"Se houver liberdade de negociação entre as partes, vamos ver rapidamente novos investimentos no varejo. Empresários brasileiros e de fora estão só esperando as mudanças na legislação. A reforma não pretende tirar direitos dos trabalhadores, apenas aperfeiçoar a lei", afirma Nazarian.

Do lado dos trabalhadores no comércio, a redução da jornada de trabalho semanal para 40 horas é um ponto que precisa ser considerado pelo governo na nova legislação, na avaliação de Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo.

A redução da jornada é importante, de acordo com ele, para que o comerciário tenha tempo para se qualificar e esteja preparado para uso de novas tecnologias que passam a ser utilizadas pelo varejo todo o tempo.

Outros pontos que, para Patah, devem constar na nova legislação trabalhista são a obrigatoriedade de ter pelo menos um representante do trabalhador em cada loja, como já existe nas fábricas, e de distribuição de lucro das empresas para os empregados.

“Empresa com comissão de fábrica e que distribuir PLR [participação nos lucros e resultados] para os funcionários acumula menos litígios, o que é bom para os lojistas e para os empregados", afirma Patah.

Esses são pontos, diz ele, que podem aumentar significativamente o comprometimento do trabalhador com a empresa.

CONTROVÉRSIA

Não é a primeira vez que representantes de trabalhadores e patrões discutem pontos para modernizar a legislação trabalhista. Em governos passados, a palavra ‘flexibilização’ da lei do trabalho chegou a ser considerada palavrão, especialmente para os representantes de trabalhadores.

Com a crise e com um contingente que supera 12 milhões de desempregados, governo, advogados, representantes de empresas e até de funcionários veem a necessidade de modernizar a lei do trabalho.

Uma nova legislação trabalhista, de acordo com Burti, pode até regulamentar as práticas já disseminadas no mercado de trabalho e ainda não reconhecidas pela lei, como a contratação por hora ou por produtividade.

A remuneração por hora trabalhada, como é adotada por empresas nos Estados Unidos, na avaliação de Flávio Rocha,presidente da Riachuelo, uma das maiores redes de varejo do país, pode contribuir enormemente para diminuir o desemprego no país. O varejo brasileiro, que chegou a empregar 7 milhões de pessoas, emprega hoje 6 milhões.

O trabalho por hora vai permitir que uma rede de lojas, por exemplo, contrate os funcionários por menos horas nos dias de menor movimento e por mais horas nos dias de maior movimento, como nos finais de semana.

Os setores de varejo e serviços, que representam 75% dos empregos do Brasil, diz Rocha, precisam se adaptar à conveniência do consumidor, que quer fazer compra à noite ou aos domingos, por exemplo, e a legislação trabalhista atual não favorece isso.

O trabalho intermitente, com jornada flexível e remuneração por hora ou por produtividade, como sugere o presidente da Riachuelo, é um dos pontos mais polêmicos no debate para fazer a reforma trabalhista.

Mais da metade dos empresários do comércio e serviços (53,7%) aprovam a regulamentação do trabalho intermitente, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil junto a 822 empresários.

Os representantes dos trabalhadores já não aprovam a ideia. Patah diz que o sindicato dos comerciários é contra o trabalho intermitente porque, de acordo com ele, já existem medidas mais flexíveis na legislação, como banco de horas e trabalho de meio período (part time).

E mesmo no caso do trabalho de meio período, ele considera que deve valer somente para o primeiro emprego de um jovem e para os aposentados e, ainda assim, desde que o salário mínimo seja a menor referência de salário.

“O trabalhador que fica algumas horas na loja, no caso o aposentado ou o jovem, pode ajudar o comerciante nos finais de semana, quando o movimento é maior em em datas comemorativas”, diz Patah.

Para ele, o trabalho por hora para todo o grupo de empregados pode acabar sendo usado somente para diminuir a remuneração do trabalhador.

TERCEIRIZAÇÃO

A terceirização, que hoje só e permitida para as atividades-meio, como para serviços de limpeza e segurança que não estão vinculados à atividade principal da companhia, é outro assunto que precisa ser discutido como forma de tornar as relações trabalhistas mais modernizas, de acordo com Solimeo.

Se uma empresa treina vendedores de determinados produtos, por que uma rede de lojas não poderia contratar essa empresa? Se os vendedores são especializados, na análise deSolimeo, conseguem atender melhor o consumidor, gerar mais vendas, favorecendo o negócio.

Patah, também presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), afirma que a regulamentação da terceirização e a flexibilização dos contratos de trabalho são necessárias, mas não podem, de maneira nenhuma, suprimir direitos dos empregados.

"É importante que a terceirização seja regulamentada para que dê segurança jurídica para todos os atores - governo, empresários e comerciários -, mas não deve atingir a atividade fim da empresa", diz ele.

A esse respeito Solimeo afirma que as propostas em debate no Congresso mantêm todos os direitos assegurados pela legislação, com a dupla garantia de seu cumprimento pela responsabilidade subsidiária da contratante, diz ele.